25.11.05

Luz

Louvemos o mundo da luz
Enclausurada, direcionada
Louvemos o mundo onde os 40 chega aos vinte
Onde as palavras não fazem sentido
na contra-mão, fora do sentido, da explicação

louvemos o mundo explicado,
compreendido
onde lagartos vomitam talões de cheque
e cartões de crédito
o mundo reconquistado
pelos esquadros parnasianos

se a luz comporta-se protocolarmente,
façamos o mesmo

a música já acabou, eles nos dizem

Visão

Precisamos de outra música
sem sentido, placa ou sinalização

a luz dança suave pelos meus
cabelos
leva-os um a um para a festa
estão felizes
do outro lado tudo não faz sentido
conversas e passos se entrelaçam
e parecem bem assim
ouve-se uma música distante
ela flutua sorrateiramente
em busca de olhos
em transe
vê-se o impossível

Vento

Ouvidos Tampados
se dilaceram pela cidade

desprovidos de bengala, cão ou guia
tropeçam, vacilam

torturados por sirenes, ônibus,
motos, carros, vendedores, apitos

mas continuam em busca do que só as árvores
saberiam descrever

O ralo do rio leva tudo embora e tateio o

Vento

21.11.05

E agora, Maurício?

E agora, Maurício?[*]

E agora, Maurício? Foi expulso do petit? Quem mandou ser gauche na vida? Por meio desta, felicito-lhe. Em outra oportunidade já havia perguntado o porquê de sua permanência em meio tão avesso a sua personalidade e até mesmo a sua história. Confesso-lhe que tudo isso, essa mudança que tanto separa o preto do branco, o passado do futuro (não direi o joio do trigo) suscita algumas reflexões sobre essa nossa trajetória comum. Agora, no meu som, Tom Zé pergunta: com quantas mortes no peito se faz a seriedade? Com quantos quilos de medo se faz uma tradição? Não imaginei nunca que poderia colocar perguntas de tal monta relacionadas a nossa turma. De começo tão intenso, de tantos planos: tínhamos o mundo ou era ele que nos tinha. Se tal ou qual não importa, já que agora vivemos no país da inocência perdida. Outra questão: se perdemos a inocência isso significa que, no final das contas, bem medido e bem pesado, foi bom ou ruim este curso que fizemos? Que valeu a pena, disso não há dúvida. Mas, valerá, ainda? É por demais estreita a bitola com a qual nos querem moldar. Contudo, bem ao seu estilo, você dirá (ou não?) que é possível e necessário mudar. Que nós podemos construir um espaço menos árido, até, que existe vida após a morte. Não sei. De um poeta marginal quase inconsciente, de tanto beber, saiu o verso: a vingança do sol é fazer sombra. Certa vez você me convidou para uma reunião não sei pra que lá no petit. E foi lá mesmo que ouvi da boca convicta de um de seus ex-companheiros que vocês eram uma elite dentro do curso. Poucas vezes me senti tão enojado dentro deste cfch que se esvaece pelos próprios poros. Agora penso que é mais ou menos a mesma coisa que ler o Giddens dizer que eles (europeus e anglo-saxões) é que são os ocidentais. Não contesto. Realmente eles é que são os ocidentais. Foram eles os inventores do ocidente, eu é que não fui. Minha mão nem está amarela... Mas, voltando ao petit, acredito ser melhor mudar de assunto e retornar às reflexões anteriores sobre nossa curta trajetória. Por vezes divergente mas nunca excludente de idéias, em nome de nada. Você não viu mas na nossa primeira aula, uma das melhores, Normando, três cigarros na mão, chapéu, óculos escuros, todos os colares no pescoço, em pé sobre a mesa do altar nos disse: “o que eles querem é que vocês digam: oh captain, my captain”. Profecia? Experiência própria? O fato é que eles querem, os que querem, que baixemos a cabeça agora para garantir o direito de levantá-la num futuro vindouro, garantido pela messiânica diplomacia titulada. Que levem os anéis, os de formatura inclusive, que não valem um bom aperto de mão, mas não esqueçam da correntinha. Voltando ao petit, é melhor mudar de assunto, é melhor pensar nessas várias questões colocadas (em menos de quatro anos!) nenhuma, embora, resolvida. Mas é bom que estejam pelo menos colocadas, contra a sólida sombra do pensamento único. Capricho do sol, ou fatalidade da dinâmica da vida????

Não me estenderei mais.
Abraço,

Ronaldo Moura.
[*] Dedico esse texto a Tom Zé, livre demente, pós-doidorado por aí-afora. Tão lúcido desde muito tempo atrás.

Às margens do capibaribe

Às margens do capibaribe
ocorre vegetação distinta
vegetação onívora, recicladora

o ambiente em que vive
desde sempre
e para sempre
é um rio de miséria navegado
por altos prédios deslocados

a miséria é a realidade

as imagens multiplicam-se e já
estão na sua lama-sangue
tão impregnados que fazem
da penúria um ancoradouro
de alegrias

pequenas pétalas de
humanidade
que são lançadas ao rio
e não apodrecem

no entanto
a miséria está lá,
projetando-se nas pessoas –
e as pessoas nela –
infinitamente
como
dois espelhos que se encaram

Ponte

meia ponte
me liga ao mundo
a outra metade alcança a vista

Esquina

Na esquina
Quem passa só vê a metade
Na esquina
só se percorre a meio do caminho

na esquina que eu vejo
só a metade me vê

na esquina que me divide
dois caminhos se cruzam
e se desmancham

de esquina em esquina é que se conhece
a metade de tudo