11.11.07

Equívoco

 
Há muitos anos era assim: três vezes por semana a angústia unia nossas sôfregas existências num desejo terrivelmente sincero de, passada a hora da tortura, poder voltar às benesses do cativeiro silencioso que era nossa casa.
Em tempos passados, a falta de compromissos e a possibilidade de perambular pela cidade atenuava e até anulava os efeitos das intermináveis aulas de violino de mamãe. Não que eu visse qualquer coisa de errado nas predileções artísticas de minha genitora, mas a sua incapacidade de reconhecer a inexistência de qualquer talento para a música dentro de seu ser, mesmo com a completa falta de elogios e, às vezes, até de polidez por parte de algum vizinho ou parente e até mesmo da professora alemã, é digna de primeiro prêmio em qualquer concurso que premie a determinação por si só.
Contudo, minha entrada na faculdade uniu de forma trágica meu destino àquelas notas desafinadas. O curso de engenharia consumia a totalidade do meu tempo. Uma cadeira, uma mesa, os livros, papel A4 e uma caneta: era o que eu precisava para viver, e parecia que poderia ser assim para sempre. Se estruturas ou abstrações teóricas não importa, bastava que eu estivesse ali, calculando, mergulhado naquele universo azul e branco. Toda essa tranqüilidade era a rotina, é verdade. Mas a exceção, como será mostrado, dominou de modo brutal os rumos dessa história.
Fatídica semana aquela que uniu a prova de Probabilidade e Estatística na Aplicação do Cálculo Multivariável e os inesgotáveis esforços da professora alemã em desenvolver (?) os talentos de uma violinista determinada. Naquele fim de tarde quente de janeiro, após um semestre espremido por causa da greve no fim do ano, estava eu regendo equações e algarismos com maestria digna de um regente de filarmônica quando, súbito, o violino começa a arranhar meus ouvidos, primeiro intercalando espaços suficientes para um suspiro de alívio, depois como uma metralhadora impiedosa. O desespero se apoderou do meu ser. Foi como se no ápice da minha grande ópera os músicos se levantassem e, sem olhar para trás, abandonassem o teatro em fila indiana. Todas as fórmulas, todos os conceitos pareciam ter sumido para sempre naquele exato momento. Enfim, os arpejos de mamãe me levaram ao suicídio e à necessidade existencial desse desabafo psicografado. Passado o calor do momento vejo quão equivocada foi a decisão. Seria capaz de responder a prova agora, se fosse possível.

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